quinta-feira, março 31, 2011

Mitos Urbanos XI

Sempre cansado. Todo o santo dia cansado. Todos os dias da semana, de todos os meses, todo o ano cansado. A ideia de ir conduzir às duas da madrugada não agrada particularmente. “Não devia ter comido tanto”, pensou. E beber ainda menos. Mas de que estava à espera? Foram às espetadas de carne e a sangria foi acompanhando… Foi inocente sabem, porque a boca não pode secar e aquela comida tem tendência a dilatar o estômago. Também ajudou o facto de o cliente estar a soltar a língua. Ao final da noite já os papéis estavam assinados e, pelo menos, por uma noite, eram os melhores amigos. “Devia ter aceitado a boleia”, disse, enquanto olhou para a barriga de quem indicava uma gravidez de dois meses, não fosse óbvia questão da biologia. E o álcool então: ui. Era parado numa operação STOP e seguia directo para a cadeia. A mulher não haveria de gostar. Nem, a empresa precisava de mais despesas. “Vou mas é a um motel, daqueles baratuxos, à beira da estrada”. E lá pegou ele, feito parvo, no carro. Chegou, entrou, pagou. Nem um pio. Era apenas mais um, mais dinheiro em caixa. Quem ele era não interessava a ninguém. Realmente, o pessoal do átrio não tinha assim grande aspecto e o parque de estacionamento estava vazio. A qualidade do sítio estava mais que vista. Para o efeito servia. Enquanto, seguia para o quarto na escuridão vazia pensava em quão pesado estava. Um digestivo faria bem, nem se atreveu a voltar para trás. Nem para enfiar a chave na fechadura do quarto, que se parecia multiplicar em duas e em três ele se conseguia safar, quanto mais ir dizer novamente, olá ao pessoal da recepção. “Mas é para a cama e acabou!”
Enquanto se atirava para a cama viu o mini-bar. “Há-de ficar mais caro. Que se lixe”. Estava mesmo mal disposto. Hmmm… Johnnie Walker. “Quem diria que eles têm pinga de qualidade”. Bebeu o primeiro golo de um trago. Depois tentou saborear o que ainda restava. Tinha um sabor estranho. Mas por aquela altura tudo lhe pareceria estranho. A boca seca, a porcaria dos condimentos que dão cabo do estômago de um gajo. Qualquer coisa para acalmar a revolução que se lhe adivinhava no estômago. Mas que tinha um sabor estranho tinha.
Adormeceu com o copo na mão. Sentiu-o rolar pelo tapete mas já não teve forças para se mexer. Sono pesado. Hmmm… Sonhou com uma loira vestida de vermelho. Assim, uma femme fatale. E queria-o a ele. “Levanta-te”, disse. “Quero-te só a ti”. Sentiu as mãos delicadas dela sobre a camisa manchada de álcool. “És um rapagão grande não és? E saudável também?” “Vamos, já ver isso”. “Vamos?”, pensou ele, antes de se sentir elevar no ar e depois frio. Hmmm, um líquido quente não tardou a escorrer na sua pele já nua. E ele dormia. Ela ligou a água quente. Sentiu um corpo sobre si e sentar-se sobre ele. “Quente”. “Sim, quente. Não te mexas que eu trato de ti. Sê um bom menino”, disse, por fim, a loira.
Com os primeiros raios solares vieram as primeiras dores. E frio, muito frio. Tentou mexer-se mas verificou que se estivesse quieto lhe doía menos. Olhou em volta para avaliar o que se estava a passar. Só os olhos. Estava na banheira, submerso até ao pescoço em gelo. O que é que lhe doía ao certo? O abdómen? Tudo. Olhou para a parede e viu um post it que dizia: “Foste um bom menino. Obrigada. Liga para o 112”. O pânico começou a apoderar-se dele. O primeiro instinto foi levantar-se bruscamente mas, sentiu uma dor lancinante e viu o gelo ficar vermelho. Olhou para o chão e viu o seu telemóvel. A muito custo conseguiu retirar o braço da banheira, mais pelas dores do que pelo gelo que o cercava. Digitou os números. “Estou?” Gemeu. “Acho que me roubaram um órgão…”
Karoly Bera

sábado, março 26, 2011

So, There you Go

Amor, amor

Há amores e há o Amor. E porque tão cedo conheci o Amor, tão cedo não o esqueci. Traumatizou-me e enegreceu-me. Perdi, irremediavelmente e sem outra experiência que não essa, a inocência de acreditar. Por isso, assim fui ficando: adiando, desconfiando, rejeitando. E quem conheceu amores e depois o Amor não conseguirá nunca compreender a minha "recusa" em encontrá-Lo de novo. Não desejo que a percebam. Antes preferia estar nas vossas peles e assim ser, feliz e despreocupada, sem bagagem, (para mim), desnecessária. Foram as cartas que me sairam. Se fosse só questão de vontade...